sexta-feira, 27 de agosto de 2010

Lembranças

Então eu chorei. Coloquei para tocar todas aquelas músicas - as nossas músicas - e deixei que letra e melodia preenchessem meu corpo, rasgando minha pele de dentro para fora como mil facas invisíveis. As lembranças me invadiram, e pela primeira vez desde o fim, eu não as reprimi. Fechei os olhos e me permiti lembrar.

Uma música de forró qualquer tocava ao longe no palco ao redor do qual os casais dançavam. No pátio banhado de sol, o touro mecânico atirava para longe os que se arriscavam a montá-lo, e arrancava risos da platéia de adolescentes - inclusive de nós duas, um pouco afastadas do nosso grupo de amigos, debruçadas sobre a proteção inflável do brinquedo. O braço dela envolvia meu ombro, e minha mão repousava em sua cintura.

O cinema estava escuro. Eu não saberia dizer o que se passava na tela, e duvidava que ela soubesse. A única coisa que sabíamos, era que o filme iluminava o ambiente apenas o suficiente para vermos o rosto uma da outra - e nós não nos importávamos em ver mais nada. Nossos lábios se tocaram e mais tarde, no msn, três palavras tão comuns entre nós ganharam novo sentido.

O canto atrás da escada era familiar por dias mais felizes. Eu sabia que havia outras pessoas ali, mas meus olhos encontraram os dela, e já não importava quem mais estivesse por perto. Os últimos quatro dias pareciam nunca ter existido, e eu sabia que faria tudo outra vez, se fosse preciso, apenas para poder tê-la em meus braços por aquele momento.

Todo o calor parecia ter sido retirado do dia. A notícia trazida por ela jogara um balde de gelo sobre todos os presentes na cena. A garota era incapaz de erguer os olhos para mim. Meu braço envolveu seus ombros, e a pergunta saiu em um sussurro. A resposta saiu ainda mais baixa, e eu sabia que quem respondia era sua mente, e não seu coração. Havia algo de errado ali, e não era apenas a notícia que nos amedrontara.

O canto atrás da escada outra vez. Dois dias seguidos que passaram como borrões de cores indistintas. Gritos, arrependimentos, culpas e lágrimas mal escondidas. Pairando sobre tudo isso, uma palavra - a palavra que até agora eu ignorara, que eu simplesmente me recusava a ouvir, e ela se recusava a dizer -: fim.

Transporte. A van prateada nunca me parecera tão segura, tão ridicularmente familiar. Eu simplesmente queria nunca chegar à escola, nunca ter de descer do veículo e encará-la, sabendo que não teria coragem de falar com ela. As lágrimas escorreram contra a minha vontade, e os braços que me envolveram, tentando juntar os pedaços, pareciam terrivelmente errados - porque embora eu o amasse, cada partícula do meu ser gritava por ela, mesmo sabendo que ela não voltaria.

Ergui a mão, tateando as cegas e desligando a música que gritava pelos fones de ouvido. Eu sabia que aquela seria a última vez que eu ouviria aquelas músicas durante muito tempo. Era a última vez que eu vivia aquelas lembranças, e era a última vez em que eu pensaria na minha melhor amiga como algo a mais. Tinha acabado, e eu simplesmente tinha que viver com isso. Tinha acabado, e nós duas íamos sobreviver. Tinha acabado, e eu precisava parar de chorar pelos cantos e fingir para ela que estava tudo bem. Tinha acabado, mas nós duas não precisávamos acabar junto. Agora, só dependia de nós.

3 comentários:

Ana Paula disse...

Recomeçar é um desafio que todos um dia tem de enfrentar :/

Fran Carneiro disse...

A gente sempre sobrevive... E isso é fato, infelizmente ou não. Essa coisa da vida nunca nos permite curtir a mágoa por muito tempo. Sempre nos faz caminhar. E é para avançar que vivemos.


Adorei *-*

Desirée disse...

temos que recomeçar, faz parte do processo de viver!