segunda-feira, 2 de agosto de 2010

Histórias de uma noite qualquer


A noite estava escura. Mais escura que qualquer outra noite que a garota já vira. Seus passos ecoavam no silêncio esmagador; o barulho feria seus ouvidos. O mar batia nas pedras ao longe, triste, ameaçador e ao mesmo tempo estranhamente convidativo.

A lanterna na mão da garota era a única luz existente na praia, e iluminava o caminho que levava ao penhasco sobre o oceano furioso. Ela seguiu caminhando lentamente, sem olhar para trás nem ao menos uma vez. O vento açoitava seu corpo, fazendo com que mechas do cabelo muito negro batessem em seu rosto. Ela não se importava.

Pareceu demorar anos até que estivesse no topo do penhasco. A garota estava estranhamente ansiosa - como se não fosse capaz de esperar nem mais um minuto ali. Por fim, chegou ao ponto mais alto da pedra úmida.

O aperto em seu peito pareceu relaxar assim que ela olhou para baixo, fitando a imensidão quase negra do mar. O vento estava ainda mais forte, chicoteando e zunindo por seu corpo, atirando para todos os lados o vestido negro da garota, fazendo-a parecer uma melancólica fada da mitologia grega. Seus lábios, agora arroxeados por causa do frio, repuxaram-se em um sorriso um tanto insano.

Dois passos, e podia sentir a gravidade ameaçando puxa-la para baixo, o vento tentando empurra-la. Olhou para o céu, apenas para fazer uma última prece - não pretendia resistir por muito mais tempo.

"Cuide dela para mim, por favor." pediu, sua voz não passando de um sussurro.
"Vou cuidar... Acho que já estou me acostumando com isso." suspirou uma voz familiar.
"Prometa que vai explicar a ela. Prometa que não vai deixar ela me seguir..." implorou.
"Não se preocupe. Eu sempre tenho tudo sobre controle." a metidez naquela afirmação a fez sorrir. Era bom saber que algo não mudara, apesar de tudo.
"Que bom saber disso. Diga a ela... Diga a ela que eu a amo. E que vou amar pra sempre."
"Direi. Agora vá. Vai perder a coragem se não for logo..." mãos invisíveis a empurraram gentilmente mais para a beira do penhasco.
"Estou com medo." agora que estava tão perto do fim, não fazia mal admitir isso.
"Não tenha medo, criança. Vou estar com você... Prometo não te deixar cair."

A voz era reconfortante. Como uma canção de ninar a muito esquecida - quente, doce e familiar. Ela fechou os olhos, finalmente deixando-se levar pelo vento, pelo som daquela voz e pela força da gravidade. O grito ficou preso em sua garganta quando o corpo da garota caiu em direção ao mar. Mãos suaves e quentes seguraram sua cintura, impedindo-a de sentir o baque da queda.

"Tudo bem. Você conseguiu. Durma, agora... Acabou." sussurrou a Morte.

A garota sorriu, estranhamente satisfeita. Seus braços envolveram o pescoço da Morte, como uma criança que abraça um adulto confiável a procura de proteção. Ela fechou os olhos, e então não viu mais nada além da paz com que tanto sonhara.

Sam

Um comentário:

Jota disse...

Jesus Cristo, fiquei besta com esse final cara :S:S

Surpreendentemente assustador. Portanto, fascinante, rs!

Estou seguindo-te também. Beijos ;**